O COMBATE AO ABUSO
DO PODER ECONÔMICO NAS ELEIÇÕES – II
Como dissemos na oportunidade anterior, a sociedade civil, que compreende os
partidos de massa, os sindicatos, as igrejas e demais associações, têm o dever
de zelar pela melhor transparência possível dos processos eleitorais, sem
prejuízo da vigilância existente no ordenamento jurídico.
Entidades de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, Associação dos
Magistrados brasileiros - AMB, associações privadas, instituições como as
famílias, escolas, universidades e mídia em geral, têm hoje a obrigação de
ofício de combater, dentro de suas esferas de atuação e dentro de suas
possibilidades, a corrupção eleitoral.
Os corruptores eleitorais demonstram-se extremamente peritos em suas práticas
delituosas. São profissionais no que fazem, sabem das deficiências do sistema e
das brechas das leis; dificilmente caem nas mãos da Justiça, pois, mascaram
muito bem seus crimes.
Assim, exige-se da sociedade em geral uma atuação eficiente, uma evangelização
política capaz de fazer com que os cidadãos, na maioria analfabetos e de baixa
escolaridade, valorizem o voto, pois a sociedade brasileira anseia por
democracia sem distorções causadas, principalmente, pelo abuso do poder
econômico.
Uma pequena ilustração de que a plutocracia infecta nossa vida política de há
muito tempo nos é dada por Roberto Schwarz que, estudando a obra de Machado de
Assis, concluiu que “(...) pode-se afirmar que, na visão machadiana, o problema
fundamental do Brasil não é a Monarquia nem a República, mas, sim, a Oligarquia
Absoluta. Este diagnóstico lúcido e atualíssimo é verdadeiramente genial.
Monárquico ou republicano, o poder de fato é oligárquico.” (In Um
mestre na periferia do capitalismo – www.academia.org.br/biblio.htm, pp. 17-8).
Temos, nesta citação, um ponto de reflexão para a sociedade brasileira. Não
devemos descansar no combate à contaminação tão nefasta ao nosso povo, causada
pelo abuso dos donos do poder econômico.
Vejamos, agora, o histórico primeiro projeto de lei de iniciativa popular no
Brasil contra o abuso do dinheiro nas eleições.
Procurando não
ficar omissa a esse combate, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil -
CNBB, por intermédio de sua Comissão Brasileira de Justiça e Paz -CBJP, em
parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB Nacional e outras mais de
sessenta entidades representativas de todos os seguimentos sociais, resolveram,
a partir de 1997, propugnar a alteração da legislação eleitoral brasileira, no
que toca à repreensão mais ágil e objetiva da atuação desmedida do poder
econômico no processo eleitoral, através de projeto de lei de iniciativa
popular (CF/88, arts. 14 e 61).
Assim, após alguns estudos preliminares e várias audiências públicas, o projeto
de lei foi elaborado por uma comissão, iniciando-se, em seguida, a coleta
nacional de assinaturas, que embasaria legalmente a iniciativa, tornando-a
admissível no Congresso da Nação.
Antes do Projeto começar a percorrer o país, foi levado pelo então
secretário-geral da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Dr. Francisco
Whitaker e pelo na época presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr.
Reginaldo de Castro, ao então presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
ministro Ilmar Galvão, que foi o primeiro cidadão a subscrever a Iniciativa
Popular, sendo seguido pelo presidente nacional dos Advogados (Jornal da OAB,
de setembro/98).
A coleta de assinaturas foi efetuada em todo o país, através das igrejas e
dioceses, dos centros comunitários, em portas de fábricas, escolas,
universidades, nos shoppings, nas feiras, nas ruas e até pela Internet. Por
mais de um ano, mais de um milhão de eleitores foram mobilizados e subscreveram
o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa Popular da história do Brasil.
Ato contínuo, o então presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
Dom Jayme Henrique Chemello levou o Projeto, com todos os seus requisitos
legais, à Brasília, entregando-o nas mãos do então presidente da Câmara dos
Deputados, Michel Temer que, por ironia do destino, é hoje o único Presidente
da República denunciado por duas durante o mandato exatamente por corrupção e
abuso do poder econômico.
Como no Brasil há um dispositivo constitucional que diz que “a lei que alterar
o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se
aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência” (CF/88,
art. 16, É o conhecido princípio de direito da anualidade), estando o tempo
exíguo para o trâmite do Projeto, e mais, tendo de serem checadas todas as mais
de um milhão de assinaturas dadas ao Projeto, não havendo tempo suficiente para
tal operação, para não prejudicar a tramitação da Iniciativa e nem frustrar os
anseios da população, que era ver aprovada as mudanças para vigorarem já no
pleito seguinte, um grupo de parlamentares na Câmara Federal assumiu o Projeto.
Dessa forma, devidamente recebido na Câmara dos Deputados, em históricos
quarenta e um dias, o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa Popular brasileiro
tramitou, foi aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente da
República, transformado-se na Lei n. 9.840, de 28 de setembro de 1999.
Toda essa história que acabamos de relatar demonstra o poder que a sociedade
tem e quase não é exercitado. Continuaremos na próxima oportunidade.
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