A Justiça Eleitoral
e o combate ao abuso econômico eleitoral – III
Continuando nossa abordagem anterior, vejamos o terceiro e último fator que
contribui para embaraçar a atuação do Poder Judiciário eleitoral no combate à
prática do crime de abuso do poder econômico eleitoral.
c) Jurisprudência oscilante. Advém exatamente da falta de variada e
profunda doutrina. Quando vemos inúmeras decisões dos tribunais eleitorais,
constatamos uma grande aflição dos julgadores quanto ao embasamento de seus
votos (Ver Alberto G. Spota, O juiz, o advogado e a
formação do direito através da jurisprudência, Porto Alegre, SAFE, passim.).
Temos, então, jurisprudência que, quase na totalidade, é oscilante, pálida,
desnutrida, de regra sem força argumentativa convincente capaz de enfrentar o
vigor dos piratas da vontade popular, que pilham os votos dos cidadãos pela
força do dinheiro.
Uma das principais coletâneas brasileiras de jurisprudência sobre o abuso do
poder econômico no processo eleitoral foi organizada por Noely Manfredini
d’Almeida e Fernando José dos Santos. Nesta obra, elencam 98 casos de crimes
eleitorais, dos quais 22 estão relacionados com a corrupção e o abuso do poder
econômico na esfera eleitoral. Crimes eleitorais e outras infringências.
Curitiba: Juruá, 1998, passim, Ver tb Olivar Coneglian, Propaganda...,
p. 126.
Gera-se, assim, no campo da jurisprudência, um círculo vicioso. A ausência de
material doutrinário de qualidade faz nascer uma jurisprudência fraca, que
servirá de parâmetro para as futuras que virão também fracas e assim por
diante. Aí, os anos passam e o esquema econômico organiza-se, experimenta
mutações, ficando eficiente a cada pleito, tornando extremamente obsoletas as
ações da Justiça Eleitoral.
Diz Cármen Lúcia, presidente do STF, que “A corrupção, tal como ocorre com a
violência, refinou-se, fez-se mais perspicaz e engenhosa, mais capciosa e
traiçoeira no curso da história”. In Direito eleitoral, p. 378.
Ainda, “A ação dos agentes do poder econômico e as aparências enganosas do jogo
político, com a utilização de setores da mídia como seus parceiros, geram uma
situação de hipossuficiência das estruturas formais da representação política,
exigindo mais efetiva articulação das instâncias da democracia participativa e
aumentando o clamor por um judiciário independente e operante.” Luiz Fernando
Ribeiro de Carvalho, ex-Presidente da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros,
no artigo “Tempo de mobilização”. In Folha de São Paulo,
“Tendências/Debates”, p. 3.
Podemos perceber que a falta de eficientes instrumentos legais, doutrinários e
jurisprudenciais, tem causado, em alguns magistrados e até em alguns tribunais,
a timidez e a falta de coragem para a tomada de decisões sábias e arrojadas na
contenção ao abuso econômico nas eleições. Isso tem provocado vis prejuízos às
estruturas da democracia, que são abaladas e fragilizadas por essas ações
inconsequentes, tanto por parte dos juízes como dos abusadores.
Sérgio Habib, em sua obra Brasil: quinhentos anos de corrupção,
Porto Alegre: SAFE, p. 140, falando sobre o combate à corrupção no Brasil, diz
que “Sem dúvida, não se pode conceber um Judiciário fraco, desprovido de poder,
inerme, desautorizado”.
Novamente, diz Sérgio Habib, “Tanto pior do que praticar corrupção, é omitir-se
diante dela deixando de combatê-la”.
Mauro Capelletti igualmente nos ensina que “os juízes exercitam um poder. Onde
há poder deve haver responsabilidade: em uma sociedade organizada
racionalmente, haverá uma relação diretamente proporcional entre poder e
responsabilidade...” (“Juízes Irresponsáveis?”, trad. Carlos A. Álvaro
de Oliveira, Porto Alegre: SAFE, 1989, p. 21).
Em arremate, o legislador tem por dever de ofício produzir leis sensatas, não
legislando em causa própria e nem produzindo instrumentos legais defeituosos.
Caso o legislador falhe em sua missão, o cientista teórico deverá aparecer, com
perícia, apresentando, com competência, as soluções mais viáveis para os
problemas da legislação. Falhando o doutrinador, caberá ao judiciário, que tem
por missão constitucional defender a sociedade, que é onde o cidadão procura
guarida, manifestar-se, com sabedoria e com justiça, punindo os criminosos dos
pleitos eleitorais, mesmo que para isso venha a desagradar aos ricos e
poderosos.
Sobre leis eleitorais malfeitas, veja o texto “A Reforma eleitoral e os rumos
da democracia no Brasil”, de Carlos Mário da Silva Velloso, Direito
eleitoral, p. 15. “Por fim, a garantia da justiça das eleições requer uma
série de medidas técnicas e legais efetivamente elaboradas para a proteção do
processo contra preconceitos, fraude ou manipulação. Tais medidas
incluem, inter alia, provisões para estruturas objetivas de
administração, para proscrever e punir práticas de corrupção...”, Direitos
humanos e eleições, p. 28.
Sérgio Habib, no livro Direitos humanos e eleições, cit., p. 20,
diz que os princípios básicos da independência do Judiciário, que funciona como
mecanismo de segurança para aplicação das leis eleitorais e consequente
controle da condução das eleições em geral. São eles: “(a) A independência
jurídica deve ser assegurada na Constituição ou outra lei do país; (b) A
imparcialidade jurídica deve ser assegurada sem qualquer restrição, influência
imprópria, induzimento, pressão, ameaça ou interferência, tanto direta quanto
indireta; (c) O judiciário deve ter autoridade exclusiva para determinar as
competências para adjudicar; (d) As decisões judiciais não devem ser sujeitas a
revisão. Este princípio deve ser sem prejuízo à revisão judicial das decisões
de cortes menores e mitigação ou comutação, por autoridades competentes, de
sentenças impostas pelo judiciário de acordo com a lei; (e) O judiciário deve
ter o poder e o dever de assegurar que os processos judiciais sejam conduzidos
de forma justa e que os direitos das partes sejam respeitados; (f) Os Estados devem
fornecer os recursos adequados para possibilitar o funcionamento adequado do
judiciário”. Amém.
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