sábado, 4 de novembro de 2017

DIREITO ELEITORAL


A Justiça Eleitoral e o combate ao abuso econômico eleitoral – III
                Continuando nossa abordagem anterior, vejamos o terceiro e último fator que contribui para embaraçar a atuação do Poder Judiciário eleitoral no combate à prática do crime de abuso do poder econômico eleitoral.
                c) Jurisprudência oscilante. Advém exatamente da falta de variada e profunda doutrina. Quando vemos inúmeras decisões dos tribunais eleitorais, constatamos uma grande aflição dos julgadores quanto ao embasamento de seus votos (Ver Alberto G. Spota, O juiz, o advogado e a formação do direito através da jurisprudência, Porto Alegre, SAFE, passim.). Temos, então, jurisprudência que, quase na totalidade, é oscilante, pálida, desnutrida, de regra sem força argumentativa convincente capaz de enfrentar o vigor dos piratas da vontade popular, que pilham os votos dos cidadãos pela força do dinheiro.
                Uma das principais coletâneas brasileiras de jurisprudência sobre o abuso do poder econômico no processo eleitoral foi organizada por Noely Manfredini d’Almeida e Fernando José dos Santos. Nesta obra, elencam 98 casos de crimes eleitorais, dos quais 22 estão relacionados com a corrupção e o abuso do poder econômico na esfera eleitoral. Crimes eleitorais e outras infringências. Curitiba: Juruá, 1998, passim, Ver tb Olivar Coneglian, Propaganda..., p. 126.
                Gera-se, assim, no campo da jurisprudência, um círculo vicioso. A ausência de material doutrinário de qualidade faz nascer uma jurisprudência fraca, que servirá de parâmetro para as futuras que virão também fracas e assim por diante. Aí, os anos passam e o esquema econômico organiza-se, experimenta mutações, ficando eficiente a cada pleito, tornando extremamente obsoletas as ações da Justiça Eleitoral.
                Diz Cármen Lúcia, presidente do STF, que “A corrupção, tal como ocorre com a violência, refinou-se, fez-se mais perspicaz e engenhosa, mais capciosa e traiçoeira no curso da história”. In Direito eleitoral, p. 378. Ainda, “A ação dos agentes do poder econômico e as aparências enganosas do jogo político, com a utilização de setores da mídia como seus parceiros, geram uma situação de hipossuficiência das estruturas formais da representação política, exigindo mais efetiva articulação das instâncias da democracia participativa e aumentando o clamor por um judiciário independente e operante.” Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, ex-Presidente da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, no artigo “Tempo de mobilização”. In Folha de São Paulo, “Tendências/Debates”, p. 3.
                Podemos perceber que a falta de eficientes instrumentos legais, doutrinários e jurisprudenciais, tem causado, em alguns magistrados e até em alguns tribunais, a timidez e a falta de coragem para a tomada de decisões sábias e arrojadas na contenção ao abuso econômico nas eleições. Isso tem provocado vis prejuízos às estruturas da democracia, que são abaladas e fragilizadas por essas ações inconsequentes, tanto por parte dos juízes como dos abusadores.
                Sérgio Habib, em sua obra Brasil: quinhentos anos de corrupção, Porto Alegre: SAFE, p. 140, falando sobre o combate à corrupção no Brasil, diz que “Sem dúvida, não se pode conceber um Judiciário fraco, desprovido de poder, inerme, desautorizado”.
                Novamente, diz Sérgio Habib, “Tanto pior do que praticar corrupção, é omitir-se diante dela deixando de combatê-la”.
                Mauro Capelletti igualmente nos ensina que “os juízes exercitam um poder. Onde há poder deve haver responsabilidade: em uma sociedade organizada racionalmente, haverá uma relação diretamente proporcional entre poder e responsabilidade...” (“Juízes Irresponsáveis?”, trad. Carlos A. Álvaro de Oliveira, Porto Alegre: SAFE, 1989, p. 21).
                Em arremate, o legislador tem por dever de ofício produzir leis sensatas, não legislando em causa própria e nem produzindo instrumentos legais defeituosos. Caso o legislador falhe em sua missão, o cientista teórico deverá aparecer, com perícia, apresentando, com competência, as soluções mais viáveis para os problemas da legislação. Falhando o doutrinador, caberá ao judiciário, que tem por missão constitucional defender a sociedade, que é onde o cidadão procura guarida, manifestar-se, com sabedoria e com justiça, punindo os criminosos dos pleitos eleitorais, mesmo que para isso venha a desagradar aos ricos e poderosos.
                Sobre leis eleitorais malfeitas, veja o texto “A Reforma eleitoral e os rumos da democracia no Brasil”, de Carlos Mário da Silva Velloso, Direito eleitoral, p. 15. “Por fim, a garantia da justiça das eleições requer uma série de medidas técnicas e legais efetivamente elaboradas para a proteção do processo contra preconceitos, fraude ou manipulação. Tais medidas incluem, inter alia, provisões para estruturas objetivas de administração, para proscrever e punir práticas de corrupção...”, Direitos humanos e eleições, p. 28.
                Sérgio Habib, no livro Direitos humanos e eleições, cit., p. 20, diz que os princípios básicos da independência do Judiciário, que funciona como mecanismo de segurança para aplicação das leis eleitorais e consequente controle da condução das eleições em geral. São eles: “(a) A independência jurídica deve ser assegurada na Constituição ou outra lei do país; (b) A imparcialidade jurídica deve ser assegurada sem qualquer restrição, influência imprópria, induzimento, pressão, ameaça ou interferência, tanto direta quanto indireta; (c) O judiciário deve ter autoridade exclusiva para determinar as competências para adjudicar; (d) As decisões judiciais não devem ser sujeitas a revisão. Este princípio deve ser sem prejuízo à revisão judicial das decisões de cortes menores e mitigação ou comutação, por autoridades competentes, de sentenças impostas pelo judiciário de acordo com a lei; (e) O judiciário deve ter o poder e o dever de assegurar que os processos judiciais sejam conduzidos de forma justa e que os direitos das partes sejam respeitados; (f) Os Estados devem fornecer os recursos adequados para possibilitar o funcionamento adequado do judiciário”. Amém.


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