ENTREVISTA
João
Bosco Soares um juiz diferente
O
juiz federal João Bosco Soares é responsável pela 2ª Vara da
Justiça Federal no Amapá, e sua atuação no Estado tem se
destacado com tomadas de decisões judiciais de importância social
que beneficiam diretamente a população amapaense. Em uma conversa
com a editoria do Tribuna Amapaense falou sobre algumas ações
importantes no judiciário federal amapaense, como as ações civis
públicas que visam a universalização da água tratada e da rede de
esgoto em Macapá e Santana, que ele considera ser sua principal
contribuição. E também fez uma avaliação de sua vida no Amapá,
falou sobre política, conflitos com membros do MP, e de sua atuação
nas ações que visam beneficiar os amapaenses.
Acompanhe...
TA
–
O senhor nasceu em outro Estado, e assim como outros brasileiros
decidiu morar no Amapá. Em que circunstâncias o senhor veio morar
aqui e em que ano?
JB
– Vim
para o Amapá no ano de 1998, como juiz federal substituto. Nessa
condição, juiz federal substituto, fiquei até o ano de 2002. Logo
em seguida fui transferido para Goiânia, capital do Estado de Goiás.
Regressei ao Amapá, como Juiz Federal titular da 2.a vara federal,
no ano de 2005, e estou até a presente data. Fiquei porque tive e
tenho uma identificação afetiva muito grande com este lugar, para o
qual dei o melhor de minha vida laboral.
TA
– Qual
o papel atual do Juiz na sociedade?
JB
–
Eu, ao menos em matéria de ações coletivas, penso que os
magistrados se constituem em agentes de profundas transformações
sociais e econômicas, embora ainda existam colegas com pensamentos
bastante conservadores.
TA
–
Quais os casos o senhor lembra que julgou que mais lhe marcaram e
beneficiaram a sociedade amapaense?
JB
–
Há muitas situações: 1) universalização do saneamento básico (
a- Macapá, pelo PAC 2, caminha para a universalização da água,
que hoje só atinge 47 por cento da cidade; b- Macapá e Santana já
estão sendo beneficiadas pela elaboração de um projeto executivo,
via do qual se pretende construir redes de esgoto para 100 por cento
das duas cidades; c- todas as cidades do Estado-membro do Amapá
terão um Plano Municipal de Saneamento Básico num prazo máximo de
2 anos ); 2) viabilização do início das obras de pavimentação do
trecho sul da BR 156, que liga Macapá a Laranjal do Jari; 3)
viabilização da implantação do programa Luz para Todos no Amapá,
que numa etapa inicial irá atingir 17 mil famílias e, em sua fase
final irá atingir um total de 25 mil famílias, universalizando a
entrega de energia para todos os pequenos produtores, agricultores e
pecuaristas do Amapá; 4) Colaboração decisiva para viabilizar a
construção de 4400 unidades habitacionais no residencial Macapaba e
também na construção de mais 5 mil unidades habitacionais que
compõe o residencial Miracema, o qual já possui 1000 unidades já
aprovadas pelo Ministério de Estado das Cidades. Há muitas outras
coisas que me orgulho...
TA
–
Fale um pouco sobre os empecilhos burocráticos que impediam a
pavimentação do trecho sul da BR 156, que liga Macapá a Laranjal
do Jari. Todos já foram resolvidos a contento?
JB
–
Através de uma ação civil pública ajuizada pelo município de
Laranjal do Jari resolvemos os principais gargalos que impediam o
começo da obra de pavimentação dessa rodovia. Por exemplo,
suprimos, no curso da ação, todas as falhas do PBA (Plano Básico
Ambiental), como, por exemplo, deficiência dos estudos
arqueológicos, campana de fauna, inventário florestal, sem o qual o
Ibama não expede a licença ambiental para o início das obras. Tudo
isso foi viabilizado sob a coordenação e batuta da Justiça. A
previsão é que essa obra de pavimentação irá começar a ser
executada ainda no início do verão deste ano, 2018, ou seja, no mês
de julho. Isso também me orgulha muito. Fez valer minha devoção
pela magistratura.
TA
–
O senhor determinou que fosse retomado o projeto da obra da ponte
sobre o Rio Jari, no município de Laranjal do Jari, distante cerca
de 260 km de Macapá. A construção da obra, que ligaria os
municípios de Laranjal do Jari (AP) e o distrito de Monte Dourado,
no Pará (PA), iniciou em 2002, mas está paralisada desde o ano de
2009, devido às suspeitas de desvio de recursos destinadas a obra.
Já aconteceu uma Audiência Pública naquele município, e em que
conclusão chegou, vai ter continuidade a obra da ponte?
JB
– Já
fizemos uma primeira Audiência Pública. Inclusive, a pedido do
próprio município de Laranjal do Jari, já determinamos que,
doravante, tal obra será executada pelo DNIT. Creio que até o ano
que vem, 2019, poderemos ter a retomada da obra da ponte sobre o Rio
Jari, que liga, por terra, o Amapá ao Para e, portanto, o Amapá ao
resto do Brasil, através da cidade de Santarém. Já estamos
articulando, na mesma ação civil pública, com o Ministro de Estado
dos Transportes, a pavimentação do trecho compreendido entre
Laranjal do Jari e Santarém, no Pará. Isso, de fato, ligará o
Amapá ao restante de todo o Brasil.
TA
–
E o Hospital Metropolitano de Macapá? Continua a obra parada e está
sendo depredado?
JB
–
Boas notícias também quanto a essa obra, pois a Justiça Federal
articulou um termo de cooperação entre o município de Macapá e o
Estado – membro do Amapá, pelo qual irá haver uma atualização
do projeto executivo. Em seguida, o município irá licitar e
concluir a obra, que será mantida pelo Estado – membro do Amapá.
Calculo que até 2021 essa obra será entregue à população
amapaense e, dentre outros benefícios, contribuirá para
descongestionar o Hospital de Emergência.
TA
–
O Amapá não tem creche. Macapá é a única capital sem essas
instituições. A cidade tem duas creches prontas e não estão
funcionando há mais de cinco anos. Como o senhor pode agir para isso
ser resolvido?
JB
–
Nesse caso, nada podemos fazer na justiça federal, pois não houve
judicialização, seja pelo Ministério Público Federal, seja pela
Defensoria Pública da União, seja por qualquer outra entidade ou
mesmo por algum cidadão.
TA
–
A paralisação da execução do programa federal Luz para Todos teve
nas suas decisões o destravamento burocrático. Esse programa estava
praticamente morto no Amapá e foi ressuscitado pela intervenção da
Justiça Federal?
JB
–
De fato, o Luz para todos estava paralisado no Amapá desde o ano de
2010 e, por uma articulação coordenada pela Justiça Federal foi
reavivado no Amapá, de maneira que, ainda neste ano, até dezembro,
17 mil famílias de pequenos produtores, agricultores e pecuaristas
serão beneficiados.
TA
–
Com o crescimento do Estado, o que resultou no aumento das demandas
judiciais, qual a importância da construção da nova sede da
Justiça Federal no Amapá, que é considerada a infraestrutura mais
bonita e funcional do nosso país e que veio contribuir para uma
Justiça federal amapaense ainda mais célere?
JB
–
A construção da nova sede da justiça federal deve ser um motivo de
muito orgulho para os amapaenses. Algo que ficará para sempre. Mas
não podemos nos esquecer que tanto a Bancada Federal, então sob
coordenação do ex-Senador Gilvan Borges e o Conselho da Justiça
Federal, então presidido pelo ex-Ministro Ari Pargendler, foram
fundamentais. O Ministro Ari Pargendler foi alguém que,
verdadeiramente, mereceu o título de cidadão honorário amapaense,
pois foi nosso verdadeiro amigo. Isso o tempo mostrou. Com a nova
sede dobramos o número de varas federais, ou seja, saltamos de 3
para 6 varas federais, só na capital. Ora, isso melhorou
substancialmente a qualidade da nossa prestação jurisdicional.
TA
–
O Senhor teve atuação determinante para a vinda de mais 3 varas
federais, que agiliza brutalmente o andamento e julgamento das ações
que tramitam pela Justiça Federal do Amapá, porém estão ameaçadas
de serem extintas por decisão do corregedor nacional de Justiça,
ministro João Otávio de Noronha, de remanejar para Brasília as
varas federais de Oiapoque e Laranjal do Jarí e a 4ª Vara Criminal
de Macapá. Como está esse imbróglio no CNJ?
JB
–
Esse é um fato tão injusto e dolorido que, no momento, não vejo
nenhuma conveniência em comentar.
TA
–
A questão habitacional e a fixação de cidadãos em áreas
insalubres, sempre foram uma preocupação para o senhor como
magistrado e seu desempenho em processos judiciais coletivos que
resultaram e ainda resultarão na construção de milhares de casas
populares na cidade de Macapá, pelo programa ‘Minha Casa, Minha
Vida’ estão a contendo ou precisa de mais ações?
JB
– Eu
só enxergo um caminho para o Amapá, vale dizer, remanejar das áreas
de ressacas todas as famílias, através de programas habitacionais
apoiados pela União, Ministério de Estado das Cidades. Qualquer
alternativa fora disso é desumana. A ocupação das ressacas ofende
regras de direito ambiental e também de saúde e segurança pública,
logo, não podem subsistir moradias nesses locais. Quanto a isso,
faço também ácidas críticas à incapacidade dos municípios de
Macapá e Santana em fazer um bom Plano Diretor que planeje humana,
racional e tecnicamente a ocupação do espaço urbano, pois estamos
crescendo a esmo, sem rumo algum, de forma absolutamente desordenada
e irresponsável. Pagaremos um alto preço no futuro pelos erros no
presente.
TA
–
O seu relacionamento político-partidário é abrangente?
JB
–
Não tenho e nunca tive relacionamento político-partidário, ao
contrário, primo pela imparcialidade e pelo interesse público.
TA
–
Seus críticos dizem que suas atuações estão fora do âmbito de um
magistrado, que o senhor pretende alcançar poder político. Como o
senhor avalia?
JB
–
Meus críticos não estão familiarizados com modernas doutrinas
jurídicas, sobretudo as que dizem respeito ao controle jurisdicional
de políticas públicas, onde se torna indispensável a
judicialização da política. Na verdade, cumpro, dentro das leis e
da Constituição, o meu papel de magistrado.
TA
–
O senhor chegou a ter um conflito com membros do MPF no Amapá. Como
é sua relação atual com os procuradores?
JB
–
Com membros do MPF amapaense tenho um bom relacionamento e, no que
depender de mim, continuará dessa forma. Quanto ao Ministério
Público Estadual é sabido de todos que já denunciei corrupção de
alguns de seus membros. Não só eu como também muitos amapaenses,
de bem, aguardam até hoje uma investigação que, infelizmente, não
houve, já que o Conselho Nacional do Ministério Público preferiu
engavetar e, desse modo, optou por preservar o esquema criminoso
denunciado formalmente.
TA
–
Sua presença é constante nos acompanhamentos técnicos das obras
sociais no Amapá, esse é um diferencial seu? Pois a maioria dos
magistrados permanecem nos gabinetes, porém isso já lhe trouxe
complicações junto a Corregedoria Geral do CNJ, a ministra Eliana
Calmon em 2013, considerou haver indícios suficientes para a
deflagração de processo administrativo disciplinar contra
“descumprimento reiterado das determinações impostas pela
Corregedoria Regional da 1ª Região, especialmente no que se refere
à abstenção de participação ativa do magistrado em solenidades
de conotação política (…)”. O que resultou?
JB
–
São fatos já superados, pois fui absolvido quase que, por
unanimidade, pelo CNJ, o qual, inclusive, reforçou o acerto do meu
procedimento, enquanto magistrado.
TA
–
Uma das suas últimas decisões foi suspender por 90 dias a execução
do reajuste de energia elétrica pela CEA, esse prazo acaba no fim de
maio, a pedido da Fecomércio, que sustenta que a revisão tarifária
realizada pela CEA, em novembro do ano passado, sob a autorização
da Aneel, provocou grave atentado à ordem econômica e de mercado.
Como caminha o cumprimento judicial?
JB
–
Prefiro não responder a essa pergunta, pois essa questão está
judicializada.
TA
–
Quais os planos para o magistrado e para o cidadão João Bosco? O
senhor pretende continuar morando no Amapá?
JB
– Quanto
ao Poder Judiciário, já me sinto realizado por tudo que fiz e venho
fazendo na condição de juiz de primeira instância. Aliás, ao
Amapá serei eternamente grato, por ter me permitido construir uma
identidade profissional, bem ainda por ter me permitido fazer,
realizar, concretizar coisas de profundo alcance socioeconômico.
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