O Ministério Público Federal (MPF) denunciou
a empresa americana Sambazon, e o seu diretor-presidente por explorar o
patrimônio genético do açaí sem autorização do Conselho de Gestão e Patrimônio
Genético (Cgen).
Judicialmente, o MPF pede condenação ao
pagamento de mais de R$ 70 milhões a título de indenização por danos materiais
ao meio ambiente e danos morais coletivos.
O MPF também quer que a empresa deixe de
utilizar o açaí brasileiro em seus produtos até que obtenha o regular cadastro
no Cgen.
Investigações do MPF, iniciadas com base em
laudo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), identificaram que, desde 2006, o grupo Sambazon comprava o
açaí de comunidades locais do Estado do Amapá e exportava o fruto, em forma de
polpa, para a Califórnia (EUA).
Nos Estados Unidos, a empresa desenvolvia e
comercializava suplemento alimentar energético a partir de ativos extraídos do
açaí coletado no Brasil. Identificou-se, também, que empresas com CNPJs
diferentes, todas pertencentes ao grupo Sambazon, cuidavam de atividades
diferenciadas no processo (coleta, industrialização, remessa ao exterior).
Para o MPF, as empresas componentes do grupo
econômico Sambazon, bem como os seus representantes, tinham plena consciência
da necessidade de obter autorização para o acesso ao patrimônio genético do
açaí.
Tanto que ofício do Ministério do Meio
Ambiente (MMA) afirma que representantes da empresa estiveram no órgão, em
2008, com a finalidade de “obter informações sobre a forma de regularização das
atividades da empresa à Medida Provisória nº 2.186-16/01”.
A legislação citada regulamentava, à época, o
acesso ao patrimônio genético e a proteção e o acesso ao conhecimento
tradicional associado, entre outras providências.
Porém, em resposta a consulta realizada pelo
MPF, em julho deste ano, o MMA informou “não existir Autorização de Acesso ao
Patrimônio Genético e/ou ao Conhecimento Tradicional Associado emitida, Termos
de Compromisso (TC) firmados, nem manifestações de interesse para assinatura de
TC autuados ou protocolados, para as empresas Sambazon Inc., Sambazon do Brasil
Ltda e Açaí do Amapá Agroindustrial Ltda”.
A empresa está há mais de uma década
instalada no distrito do Igarapé da Fortaleza (Rodovia Salvador Diniz),
confluência entre as cidades de Macapá e Santana.
Comunidades locais
Além do acesso ilegal ao açaí, também se
confirmou que as empresas do Grupo Sambazon deixaram de repartir os benefícios
decorrentes da utilização do patrimônio genético brasileiro, violando as normas
nacionais e internacionais que tratam do tema.
Segundo representação da Associação de
Desenvolvimento Intercomunitário de Rio Baiano (Asdicorb) à Procuradoria da
República no Pará, em 2008, a empresa Sambazon procurou ribeirinhos da
comunidade e proximidades com a proposta de comercialização “socialmente justa
e ambientalmente sustentável”.
Na prática, no entanto, a empresa não
cooperava, tampouco repartia justa e equitativamente os eventuais benefícios
com os povos tradicionais da Amazônia. A comunidade ribeirinha sentiu-se lesada
ao fim dos negócios com o Grupo Sambazon.
Para o MPF, a Sambazon “aproveitava-se de sua
influência junto a essas comunidades para fazer delas propaganda de seus
produtos no exterior, apresentando a empresa como biosustentável, quando, na
realidade, desprezava as normas de bioética social do Brasil”.
A prática é conhecida como “greenwashing”, em
português algo como “lavagem verde ou pintando de verde”. Consiste na
estratégia de marcas promoverem discursos e propagandas sobre serem
ambientalmente corretas, mas, na verdade, medidas reais de defesa ao meio
ambiente não são adotadas.
Com o objetivo de reparar esses prejuízos às
comunidades locais, o MPF pede que o valor da condenação por danos materiais e
morais coletivos seja destinado às comunidades em que a Sambazom coletou o açaí
amazônico ao longo dos anos.
Histórico
Há cinco anos, desde que foi aberto o
inquérito para apurar a conduta da empresa, o MPF acompanhava o processo do
Ibama, concluído no ano passado. A investigação administrativa confirmou que
ocorreu, ilegalmente, acesso ao material genético do açaí.
A empresa foi condenada pelo órgão ambiental
ao pagamento de multa no valor de aproximadamente R$ 75 mil. O auto de infração
foi confirmado após recurso, em janeiro de 2017, com base em parecer da
Advocacia-Geral da União.
Porém, na esfera judicial, a empresa
conseguiu liminar para suspender a exigibilidade de pagamento da multa. O
mérito da ação ainda será julgado.
Em maio de 2018, o MPF apresentou proposta de
Termo de Ajustamento de Conduta visando à reparação cível dos danos causados à
comunidade e ao meio ambiente.
Como o prazo fixado para a empresa se
manifestar sobre a proposta já encerrou, sem que houvesse resposta, o MPF
adotou as medidas judiciais cabíveis. Foram propostas duas ações na Justiça
Federal, uma para apurar a responsabilidade cível da Sambazon e outra para
responsabilização penal da empresa e de seu diretor-presidente.
Processo 1000872-15.2018.4.01.3100 (ACP) e
0004849-32.2018.4.01.3100 (Denúncia)
Informações do MPF/AP
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