domingo, 10 de fevereiro de 2019

AÇAÍ E DOENÇA DE CHAGAS NA AMAZÔNIA


  

De acordo com os órgãos de saúde e vigilância sanitária o açaí não pode ser visto como vilão, pois não é o fruto que está suscetível à contaminação do parasita, mas sim o modo como ele é preparado. Então, pode ficar tranquilo: pode continuar comendo o seu açaí sem preocupações, adquirindo-o em locais que cumpram as regras de higienização e cuidados na manipulação do produto.

Reinaldo Coelho

O crescimento de surtos da doença de chagas na Região Amazônica vem preocupando as instituições públicas e de pesquisa de Saúde, principalmente pela constatação de que estaria sendo disseminada através de um produto regional muito consumido pelos habitantes amazônicos, o Açaí.

Para os órgãos de saúde pública a partir de dois casos já é considerado surto. E esses surtos começam em agosto, quando há safra maior do alimento que geralmente está envolvido no processo de contaminação, o açaí. Além disso, neste período de verão os insetos transmissores, os barbeiros, se movimentam mais em busca de alimento, que é o sangue de animais ou de seres humanos. E a região, historicamente mais afetada, é a Norte, justamente pela cultura alimentar do açaí. E o barbeiro está muito disseminado nessas áreas ribeirinhas, onde são consumidos in natura, ou batidos logo que apanhados, sem passar por higienização.

Realidade Amazônica

Todos os Estados amazônicos estão atuando no combate ao Trypanosoma cruzi, parasita que transmite a doença de chagas, principalmente por insetos da subfamília Triatominae, que vem sendo encontrado no produto Açaí, principal alimento dos nortistas e gerador de rendas e empregos em todos os Estados. Cerca de 70% dos casos agudos de doença de chagas no Brasil já são transmitidos desta maneira, por alimentos como açaí e caldo de cana.

Embora a concentração do problema esteja na região Norte do país, que soma 91% dos relatos da doença, com especial destaque para o estado do Pará, ainda existe uma preocupação (grande parte por conta da internet e redes sociais) de que a doença possa se espalhar pelo país. Isso pode gerar pânico e prejuízo econômico, pois o produto trabalhando dentro das regras estabelecidos não tem problemas no seu consumo.

E o açaí?


De acordo com os órgãos de saúde e de vigilância sanitária o açaí não pode ser visto como vilão, pois não é o fruto que estar suscetível à contaminação do parasita, mas sim o modo como ele é preparado, ou seja, o açaí não transmite a doença e é possível ingeri-lo sem riscos, desde que se tome os devidos cuidados com a higienização.
Essa suspeita de contaminação diretamente pelo açaí já havia sido levantada em 2006, até ser confirmado em 2010 que não havia ligação, graças a estudos da Unicamp, da UFRJ e do Instituto de Pesquisas Nucleares (IPEN). Por isso, foi reforçado o pedido para que a população da região norte tome os cuidados necessários na hora de preparar e consumir, pois o açaí faz parte da base alimentar de muitos habitantes das regiões Norte e Nordeste do país, onde o consumo do fruto in natura (sem passar pelo processo de industrialização que conserva o produto para venda em outras regiões do Brasil e no exterior) é praticamente diário.

O fruto do açaí é contaminado quando o barbeiro ou as fezes dele se misturam à polpa durante o processamento. Às vezes, reservatórios utilizados na produção do vinho de açaí também podem ser contaminados. Contudo, no caso da polpa industrializada (a que consumimos por aqui), o produto passa por um processo de lavagem e de pasteurização, o que elimina qualquer possibilidade de sobrevivência do Trypanosoma cruzi. Então, pode ficar tranquilo: pode continuar comendo o seu açaí sem preocupações.
Porém, apesar de não haver problemas com o consumo do fruto, a contaminação pode ocorrer de outras maneiras, como já descrito acima. Portanto, é preciso ter bastante cuidado e ficar atento aos sinais e sintomas.
As equipes de vigilância a Saúde e da Vigilância Sanitária vem desde o início do aparecimento de diagnósticos e óbitos com a suposição de transmissão por meio de batedeiras de açaí. Coletando informações, os órgãos fiscalizadores conseguiram confirmar isso. E passaram a tomar todos os cuidados necessários com relação às batedeiras na proximidade das localidades [onde houve infecção], com orientação em relação à manipulação do produto.

Surtos 

A situação vem sendo constatada como grandes surtos no Estado do Pará, principalmente no município de Ananindeua, onde além do diagnóstico aconteceram óbitos e a partir de agosto de 2018 no município de Santana, a situação vem movimento o segmento médico, de vigilância sanitária e os poderes estadual e municipal,  quando foram registrados 17 casos confirmados de doença de chagas, entre janeiro e setembro daquele ano. Os dados são da Secretaria de Saúde do município.

A secretaria de Saúde de Santana informou que foram 10 pessoas infectadas em agosto de 2018, no mês seguinte foram 2 diagnosticados, e no bairro Remédios. Em todos os casos, segundo a secretaria, as pessoas foram infectadas após consumirem o suco do açaí contaminado produzido em batedeiras.
Nesse mesmo período foi registrado o surto da doença de Chagas no Amapá, com mais de 26 casos diagnosticados nos municípios de Santana, Macapá e Laranjal do Jari. Após a confirmação desses números, a Superintendência de Vigilância da Saúde aumentou as fiscalizações e campanhas de combate e prevenção nos empreendimentos.

Segundo a Vigilância Epidemiológica de Macapá, em 2013 houve o registro de 4 casos e 1 óbito. Em 2012 foram 16 casos, sem mortes. Em 2011 foram 9 registros com 2 óbitos. “No ano passado o Bairro Marabaixo apresentou maior incidência da doença. Esse tema requer atenção para prevenção e tratamento”, ressaltou Marluci Chermont, diretora da Vigilância Epidemiológica.

Região Metropolitana de Macapá

Na Região Metropolitana de Macapá, as cidades de  Macapá possui mais de 500 batedeiras de açaí e de Santana tem quase 300. Para o presidente da Associação de Batedores de Açaí do município de Santana, Dorinaldo Nascimento Moraes, falta parceria para facilitar o tratamento do produto. “Nós temos 100 mesas de catação. Essa mesa retira os resíduos sólidos do açaí, inclusive, o próprio barbeiro. Também fazemos o branqueamento. Isso tudo tem um custo que repassamos para o consumidor. Se tivéssemos parcerias esse custo com certeza seria reduzido”.
Na ocasião a secretaria explicou que nesta época do ano (segundo semestre – agosto a dezembro) aumenta o número de casos da doença por causa da safra do açaí, período em que há a maior oferta do produto no mercado a um preço mais barato.

Diagnósticos

Uma família, por exemplo, teve 5 casos confirmados. Os pacientes com a doença recebem acompanhamento médico no Centro de Referência de Doenças Tropicais (CRDT). Infectologista e cardiologista, além de exames foram colocados à disposição também dos diagnosticados.
Em sete batedeiras de açaí foi constatado um grande risco de contaminação do produto. Diante do cenário, a secretaria de Saúde santanense reforçou a população que realizem a aquisição do açaí de estabelecimentos que prezam por seguir os padrões de higienização do produto, como a catação e o branqueamento.

Doença de Chagas


A Doença de Chagas Aguda de Transmissão Oral é uma doença infecciosa grave, causada por um protozoário conhecido como Trypanosoma cruzi, que é transmitido pela ingestão de alimento contaminado com os parasitas presentes nas fezes dos insetos vetores, chamados de barbeiros.
Embora casos de infecção já tenham sido ligados ao consumo de outros alimentos, o açaí é o item mais frequentemente associado a essa rota de transmissão. Entre as notificações registradas de 2007 a 2016 no Brasil, cerca de 95% ocorreram na região Norte, onde o consumo do suco fresco de açaí é um item tradicional da cultura alimentar.
Os doentes podem apresentar um quadro de febre constante, inicialmente elevada, diarreia, vômito, dores de cabeça e musculares. Casos complicados podem evoluir com manifestações cardíacas, além do comprometimento do fígado e baço. O diagnóstico precoce e o tratamento imediato previnem as formas crônicas da doença e a ocorrência de óbitos.

Audiência Pública no Parlamento Amapaense

O assunto foi pauta de audiência pública na Assembleia Legislativa. A ideia inicial é criar uma lei que regule toda a cadeia produtiva do açaí no Amapá.
Em todo o Estado existem 1,2 mil batedeiras de açaí, que nem sempre seguem as Boas Práticas de Fabricação de Alimentos (BPF), conjunto de recomendações da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
“O açaí está diariamente na mesa da maioria dos amapaenses. Essa audiência visa conscientizar a população de que esse produto pode transmitir via oral a doença de chagas. Nosso objetivo é criar um selo de qualidade para o nosso açaí e dar a importância que o tema requer”, afirmou o deputado Dr. Furlan (PTB), que visa aprovar uma lei sobre o tema e requerente da Audiência Pública.

Pioneirismo no combate


O Amapá foi o pioneiro no combate a essa doença, orientando e criando mecanismos de higienização, como o lançamento das mesas de catação do programa de Qualidade do Açaí nas Amassadeiras de Macapá e Santana. Trata-se da mais importante inovação tecnológica na limpeza e seleção dos frutos antes do seu processamento e muito utilizados pelos produtores do vinho do açaí.
A economia do açaí movimenta cerca de R$ 20 milhões por ano no Amapá, contribuindo com 2/3 do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado. É também responsável pela movimentação de renda em localidades ribeirinhas por conta do plantio do fruto pelos próprios moradores das regiões.
Além de ser uma das mais importantes fontes de alimento das populações ribeirinhas, é um hábito do amapaense que pode ser considerado, inclusive, como parte de sua identidade cultural.

Contaminação

A preocupação das entidades pública é o de eliminar os riscos de contaminantes, através de boas práticas de fabricação, garantindo a qualidade final do produto e, consequentemente, um diferencial que irá destacar o açaí amapaense nos diversos mercados consumidores.

Meios de contaminação

Tanto na coleta quanto no transporte, eventualmente há problemas de contaminação dos frutos de açaí por impurezas, como restos de vegetais, pedras, terra e insetos. Mesmo muito raro, dentre os insetos pode estar o barbeiro, transmissor da doença de Chagas. A possível liberação do Trypanossoma cruzi, presente no intestino do barbeiro, pode ocorrer exatamente no ato do esmagamento do inseto junto com os frutos de açaí, por ocasião do despolpamento.

Ações de combate e conscientização

Equipes das vigilâncias epidemiológica e imunização, sanitária e ambiental, em parceria com a sala do empreendedor, se reuniram para traçar estratégias para desenvolver um plano de ação ao combate e controle da doença de chagas em Santana.
Com objetivo de conscientizar a população, especialmente os donos dos estabelecimentos que produzem e vendem açaí, será realizado o cadastro de todas as amassadeiras do município. Os empresários serão orientados quanto aos procedimentos e cuidados no preparo do açaí, o principal produto relacionado à contaminação da doença, que é transmitida através de consumo do alimento infectado pelas fezes do inseto barbeiro.
Para a Vigilância Epidemiológica e Imunização de Santana, a população pode ajudar nas pesquisas em relação ao tratamento da doença. Basta levar os barbeiros, inseto causador da doença, que forem encontrados em casa, ao centro da unidade no município.
"Qualquer morador que ver um inseto parecido com o barbeiro pode pegá-lo e trazer para gente, desde que não toque nele. É preciso usar materiais descartáveis para recolhê-lo. Chegando aqui, encaminharemos para o laboratório de pesquisas e isso pode ajudar bastante nos estudos para o tratamento", explicou Ediana Marques, diretora do órgão.
Em relação a campanha de prevenção da doença, um dos primeiros passos será a capacitação dos agentes que irão realizar a abordagem com a população. Para a diretora da vigilância epidemiológica de Santana, a fase inicial é muito importante para que ela seja eficaz.
"Não queremos punir ninguém e nem fechar estabelecimentos, queremos conscientizar as pessoas sobre as precauções que devem ser tomadas com a produção do açaí", esclareceu.
A doença de Chagas é grave e os sintomas são febre por mais de oito dias, seguida de cansaço, diarreia, vômito, dores de cabeça e musculares. Casos mais complicados podem evoluir com manifestações cardíacas, além do comprometimento do fígado e baço.

Mas afinal, o que é a Doença de Chagas?

A doença de chagas é causada pelo protozoário parasita Trypanosoma cruzi, que é transmitido pelas fezes de um inseto (triatoma), conhecido como "barbeiro". O apelido do parasita foi dado por seu descobridor, o cientista Carlos Chagas, em homenagem ao também cientista Oswaldo Cruz. Segundo os dados levantados pela Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN), esse inseto de hábitos noturnos vive nas frestas das casas de pau-a-pique, ninhos de pássaros, tocas de animais, casca de troncos de árvores e embaixo de pedras.
Estima-se que existam no país entre 2 e 3 milhões de indivíduos infectados pela moléstia. Nos últimos anos, a ocorrência de doença de chagas aguda tem sido observada em diferentes estados, em especial na região da Amazônia Legal, principalmente por causa da transmissão oral.

Transmissão

A doença de Chagas não é transmitida ao ser humano diretamente pela picada do inseto. Na verdade, a transmissão ocorre quando a pessoa coça o local da picada e as fezes eliminadas pelo barbeiro penetram pelo orifício que ali deixou. A coceira facilita a entrada do tripanossomo no organismo, o que também pode ocorrer pela mucosa dos olhos, do nariz e da boca, ou por feridas e cortes recentes na pele.
A transmissão pode ocorrer também por transfusão de sangue contaminado e durante a gravidez, da mãe para filho. No Brasil, foram registrados casos da infecção transmitida por via oral nas pessoas que tomaram caldo-de-cana ou comeram açaí moído. Embora não se imaginasse que isso pudesse acontecer, o provável é que haja uma invasão ativa do parasita diretamente através do aparelho digestivo nesse tipo de transmissão.

E quais são seus sintomas?

Febre, mal-estar, inflamação e dor nos gânglios (glândulas do sistema linfático, responsáveis por combater infecções), vermelhidão e inchaço nos olhos (sinal de Romaña – lesão inflamatória com edema e eritema no local da picada). O aumento do fígado e do baço são os principais sintomas. Com frequência, a febre desaparece depois de alguns dias e a pessoa não se dá conta do que lhe aconteceu, embora o parasita já esteja alojado em alguns órgãos. Como nem sempre os sintomas são perceptíveis, o indivíduo pode saber que tem a doença até 20 ou 30 anos depois de ter sido infectado, ao fazer um exame de sangue de rotina.
Na fase aguda, meningite e encefalite são complicações graves da doença de Chagas, mas são raros os casos de morte.
Caindo na circulação, o Trypanosoma cruzi afeta os gânglios, o fígado e o baço. Depois se localiza no coração, intestino e esôfago. Nas fases crônicas da doença, pode haver destruição da musculatura e sua flacidez provoca aumento desses três órgãos, o que causa problemas como cardite chagásica (aumento do coração), megacólon (aumento do cólon que pode provocar retenção das fezes) e megaesôfago, cujo principal sintoma é a regurgitação dos alimentos ingeridos. Essas lesões são definitivas, irreversíveis. A doença de Chagas pode não provocar lesões importantes em pessoas que apresentem resposta imunológica adequada, mas pode ser fatal para outras.

Diagnóstico e período de incubação

O período de incubação vai de cinco a 14 dias após a picada do barbeiro e o diagnóstico é feito através de exame de sangue, que deve ser prescrito, principalmente, quando um indivíduo vem de zonas endêmicas e apresenta sintomas acima relacionados.

Tratamento

A medicação é dada sob acompanhamento médico, nos hospitais, devido aos efeitos colaterais que provoca, e deve ser mantida, no mínimo, por um mês. O efeito do medicamento costuma ser satisfatório na fase aguda da doença, enquanto o parasita está circulando no sangue. Na fase crônica, não compensa utilizá-lo mais e o tratamento é direcionado às manifestações da doença a fim de controlar os sintomas e evitar as complicações.

Recomendações

• Como não existe vacina para a doença de chagas, os cuidados devem ser redobrados nas regiões onde o barbeiro ainda existe, como o vale do Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, e nas regiões Norte e Nordeste, em especial no Pará e na Bahia.
• Caso a pessoa tenha passado por uma região de transmissão natural do parasita, ela deve procurar assistência médica se apresentar febre ou qualquer outro sintoma característico da doença de Chagas;
• Portadores do parasita, mesmo que sejam assintomáticos (não exibem sintomas), não podem doar sangue;
• A cana-de-açúcar e o açaí devem ser cuidadosamente lavados antes da moagem.
A incidência da doença de chagas está diretamente relacionada às condições habitacionais (casas de pau-a-pique, sapê, etc). Portanto, cuidados com a conservação das casas, aplicação sistemática de inseticidas e utilização de telas em portas e janelas são algumas das medidas preventivas que devem ser adotadas, principalmente em ambientes rurais. A melhor forma de prevenção é o combate ao inseto transmissor: eliminá-lo ou mantê-lo afastado do convívio humano é a única forma de erradicar a doença.

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