Crônica: O homem que imitava passarinhos
Por Rodrigo Alves de Carvalho
Aos 45 anos, Quinzinho morava
na roça, nunca tinha saído de lá e gostava da vida pacata e ao mesmo tempo
sofrida do campo. Como não era casado e sua mãe velhinha vivia doente na cama,
Quinzinho não tinha ninguém para conversar e por isso assoviava.
Assoviava o dia inteiro,
cuidava da plantação de mandioca assoviando, lidava com os animais assoviando e
o mais curioso, conversava com os passarinhos assoviando.
Aprendeu dezenas de pios
iguaizinhos aos pássaros que apareciam na roça. Quinzinho assoviava igual um
Trinca Ferro e o Trinca Ferro respondia; assoviava igual a um Bigodinho e o
Bigodinho respondia, enfim, todos os passarinhos conversavam naquela linguagem
melódica das aves.
Quando sua mãe faleceu,
Quinzinho não quis ficar na roça, foi para a cidade, arrumar um emprego e
principalmente realizar seu sonho que era casar.
Tudo o que levou para a
cidadezinha foi o pouco dinheiro da venda de seu pedaço de terra e um vasto
repertório de assovios de pássaros.
Não demorou muito para que os
moradores percebessem aquele homem um tanto estranho que não parava de assoviar
um só minuto.
Sua fama chegou quando se
apresentou na rádio da cidade imitando os mais diversos cantos das aves da
região. Recebia até pedidos por telefone para imitar Canarinho, Pintassilgo,
Sabiá, Pássaro Preto, Coleirinha e muitos outros.
Passou a ser conhecido como
Quinzinho Passarinho e por causa de seu talento conseguiu um emprego como
varredor de rua.
Desde a manhãzinha até o
entardecer, Quinzinho varria as ruas e assoviava igual passarinho. As pessoas
não ligavam muito, mas a criançada fazia a festa pedindo que imitasse os mais
improváveis pássaros e Quinzinho é claro, imitava.
Foi varrendo a rua e assoviando
que conheceu Consuelo, uma viúva de 52 anos que sempre saia na porta de sua
casa quando escutava o assovio e oferecia um copo d’água para o assobiador.
Começaram com uma conversa
tímida, intercalada com um assovio aqui e outro ali, porém poderiam se
considerar enamorados.
Dessa feita, todo dia Quinzinho
parava por alguns minutos, dava um beijinho no rosto da senhora e voltava à sua
vassoura com o assovio mais alegre ainda.
Tudo ia bem, decidiram juntar
os trapos e morarem juntos como duas Rolinhas apaixonadas. Entretanto, o filho
mais velho de Consuelo não aceitava a união de sua mãe com Quinzinho, dizia que
o homem era louco, um débil mental e não queria ver a mãe motivo de chacota na
cidade como estava acontecendo.
O romance acabou quando o filho
de Consuelo e Quinzinho saíram no tapa e devido aos longos anos na roça e à sua
força física avantajada, Quinzinho acabou derrubando o rapaz com um só soco
quebrando o maxilar do coitado. Devido a esse ato violento foi preso e ficou
alguns dias atrás das grades.
Seu assovio se tornou
melancólico, triste, igual a um passarinho preso numa gaiola.
Foi solto, mas teve que
prometer não arrumar confusão. Consuelo foi leveda pelo filho para outra cidade
onde morava e com isso Quinzinho se tornou novamente um pássaro solitário.
Parou de trabalhar, parou de se
cuidar e vivia de esmolas das pessoas que apreciavam os cantos das aves quando
passavam por alguma esquina e o encontravam triste a assoviar.
Fazia longas caminhadas pelas
matas conversando com os pássaros como fazia nos tempos da roça. Talvez
cantando a dor de um coração quebrado pela indiferença dos homens.
Pode-se dizer que Quinzinho
Passarinho virou passarinho de verdade porque só vivia no mato, em cima das
árvores, assoviando e conversando com os Sabiás, Juritis, Rouxinóis, Azulões e
outros passarinhos.
Coincidências à parte morreu
como passarinho, quando levou um balaço no peito de um caçador que jura ter
confundido Quinzinho com uma Pomba do Ar.
Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga
(MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários
estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas.
Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela
editora Clube de Autores.
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