sexta-feira, 27 de setembro de 2019

DIREITO ¨CIDADANIA - BESALIEL RODRIGUES


Elementos de conexão e os conflitos jurídicos envolvendo outros países - I



Por Besaliel Rodrigues


        Vamos analisar, nesta oportunidade, algumas problemáticas sobre os conflitos de leis entre países sobre os interesses das pessoas em seu dia a dia.
        Os conflitos de leis no espaço referem-se às situações em que mais de um ordenamento soberano possa incidir sobre uma situação privada que transcenda as fronteiras de um país. A isso chamamos tecnicamente de “conexão internacional”. Estes conflitos de leis serão resolvidos por meio de elementos de conexão. Tal situação é excepcional no mundo do Direito.
        Na antiguidade não havia regras sobre estes tipos específicos de conflitos. Na idade média, o comércio internacional impulsionou significativamente este assunto. Com a Revolução Francesa, a condição jurídica do estrangeiro começa a tornar-se mais favorável. A partir de então, multiplicaram-se os doutrinadores que construíram o alicerce jurídico deste tema, com destaque para os estudos do professor norte-americano Joseph Story. Com base em tais teorias, os países começaram a formar o marco legal. O Brasil construiu o seu arcabouço jurídico partir dos postulados de Story. Na atualidade, com o vigoroso incremento das relações internacionais, o Direito desenvolve-se cada vez mais, tanto nas academias, como na aplicação do dia a dia de todos os cidadãos. 
        O Direito Internacional Privado, responsável por “gerenciar” estas demandas transnacionais, possui uma característica peculiar: Apenas indica qual preceito, nacional ou estrangeiro, será aplicável ao conflito de leis surgido entre ordenamentos soberanos. Assim, apenas apontará qual preceito, sem apresentar conduta a ser seguida. Terá, então, natureza de sobredireito, também chamado de “norma indireta”, “indicativa”, ou “superordenamento”. As normas diretas são raras no DIPr.
        Sua estrutura divide-se em duas partes: a) objeto de conexão, que se refere à matéria, ao assunto em si. Ex: personalidade, capacidade, direitos de família etc.; e b) elemento de conexão, que se refere aos critérios a serem adotados. Ex: domicílio, nacionalidade, lex fori, autonomia da vontade etc.
        Vejamos, agora, os elementos de conexão previstos no Direito brasileiro, especificamente na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, arts. 7º–19.
        1- Estatuto pessoal: o domicílio (lex domicilii). É o principal elemento de conexão adotado no Brasil. Ex: Fim da personalidade, direito ao nome, capacidade jurídica, direitos de família etc. Ver art. 7º, da LINDB.
        2- Estatuto pessoal: a nacionalidade (lex patriae). Já foi critério predominante. Ex: Ver art. 18 e 7º, §2º, da LINDB.
        3- Lex fori: Refere-se à lei do lugar do foro onde está acontecendo o conflito normativo. Ex: É o elemento de conexão mais comum do DIPr.
        4- Lex rei sitae: Incide a norma do lugar onde a coisa está situada (territorialidade). Aplicável somente aos bens corpóreos. Direitos reais. Regime de bens. Ex: LINDB, arts. 12, §1º, 8º, 10, §2º c/c CF, art. 5º, XXXI. Possui exceções importantes: LINDB, arts. 7º, caput, 8º, §§1º e 2º e art. 10, caput.
        5- Lex loci delicti comissi: Lei do local onde o ato ilícito foi cometido. Obrigações extracontratuais que geram responsabilidade civil. Ex: Poluição ambiental, concorrência desleal etc.
        6- Lex loci executionis / lex loci solutionis: Lei do lugar de execução de um contrato ou de uma obrigação. Ex: Mão de obra contratada no Brasil para trabalhar no exterior. Ver LINDB, art. 12.
        7- Locus regit actum / lex contractus: Norma do lugar de constituição da obrigação. Ex: Aplicável aos contratos e obrigações (LINDB, art. 9º, caput). Ver CPC-2015, art. 784, §3º: “O título estrangeiro só terá eficácia executiva quando satisfeitos os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e quando o Brasil for indicado como o lugar de cumprimento da obrigação”.
        8- Autonomia da vontade (lex voluntatis): Possibilidade de as próprias partes escolherem o Direito nacional aplicável a uma relação privada com conexão internacional. Elemento de conexão muito antigo. Ex: Aplicável majoritariamente aos contratos internacionais (Ver Lei nº 9.307/96 - Arbitragem). Na esfera cível possui limitações quanto ao foro, à ordem pública e aos compromissos internacionais brasileiros. O CPC2015 alargou a utilização deste elemento de conexão. Continuaremos na próxima oportunidade.







i)                Outros elementos: A doutrina indica ainda outros elementos de conexão, como o lex loci actus, pelo qual se aplica a norma do local da realização do ato jurídico; o lex loci celebrationis, que determina a incidência da norma do local de celebração do matrimônio e; o lex damni, pelo qual a norma aplicável é aquela do lugar em que se manifestaram as consequências de um ato ilícito. Há, por fim, alguns elementos de conexão que já não são tão empregados, como a raça, a religião e a vizinhança.

j)                Breve nota sobre a constituição de pessoa jurídica: O art. 11, caput da LINDB diz que “As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem”, adotando, portanto, o elemento de conexão locus regit actum. Também ficam sujeitas à lei brasileira as filiais, agências ou estabelecimentos vinculados a essas organizações, as quais só podem ser criadas ou instaladas quando seus atos constitutivos forem aprovados pelo governo brasileiro – LINDB, art. 11,§1º.

1.               Institutos básicos do DIPr:
a)                                       Qualificação: Conhecida também como “qualificação prévia”, é “a operação pela qual o juiz, antes de decidir, verifica, mediante a prova feita, a qual instituição jurídica correspondem os fatos realmente provados” (Osíris Rocha). Volta a questões jurídicas, verificação de conceitos de institutos desconhecidos. Classifica-se em qualificação de 1º grau (baseia-se na lex fori, adotada pelo Brasil) e qualificação de 2º grau (baseia-se na lei de fora).

b)                                      Ordem pública: Aspectos fundamentais de um Estado e seu ordenamento, abrangendo a soberania nacional e os bons costumes. Norma estrangeira incompatível é inaplicável. Ver LINDB, art. 17: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”.

c)                                       Reenvio: Também conhecido como retorno, remissão, devolução, opção, renvoi (francês) ou remission (inglês). É o instituto pelo qual o DIPr de um Estado remete às normas jurídicas de outro Estado e as regras do DIPr deste indicam as de um terceiro ou o ordenamento do primeiro. Existem reenvios de 1º, 2º, 3º, 4º graus etc. O Brasil não adota o reenvio (LINDB, art. 16), salvo uma exceção (LINDB, art. 10, §1º c/c CF, art. 5º, XXXI): sucessão de bens (lei mais favorável).

d)                                      Direito adquirido: A pessoa faz jus ao preencher os requisitos para a sua aquisição e que, uma vez obtido, não pode mais ser retirado. Tal direito acompanha a pessoa em outro Estado, salvo se ofender a ordem pública. Ex: Poligamia (Brasil não admite).


Continuaremos na próxima oportunidade.


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