Elementos de conexão e os conflitos jurídicos
envolvendo outros países - I
Por Besaliel Rodrigues
Vamos analisar, nesta oportunidade, algumas problemáticas
sobre os conflitos de leis entre países sobre os interesses das pessoas em seu
dia a dia.
Os
conflitos de leis no espaço referem-se às situações em que mais de um
ordenamento soberano possa incidir sobre uma situação privada que transcenda as
fronteiras de um país. A isso chamamos tecnicamente de “conexão internacional”.
Estes conflitos de leis serão resolvidos por meio de elementos de conexão. Tal
situação é excepcional no mundo do Direito.
Na
antiguidade não havia regras sobre estes tipos específicos de conflitos. Na
idade média, o comércio internacional impulsionou significativamente este
assunto. Com a Revolução Francesa, a condição jurídica do estrangeiro começa a
tornar-se mais favorável. A partir de então, multiplicaram-se os doutrinadores
que construíram o alicerce jurídico deste tema, com destaque para os estudos do
professor norte-americano Joseph Story. Com base em tais teorias, os países
começaram a formar o marco legal. O Brasil construiu o seu arcabouço jurídico
partir dos postulados de Story. Na atualidade, com o vigoroso incremento das
relações internacionais, o Direito desenvolve-se cada vez mais, tanto nas
academias, como na aplicação do dia a dia de todos os cidadãos.
O Direito Internacional Privado,
responsável por “gerenciar” estas demandas transnacionais, possui uma
característica peculiar: Apenas indica qual preceito, nacional ou estrangeiro,
será aplicável ao conflito de leis surgido entre ordenamentos soberanos. Assim,
apenas apontará qual preceito, sem apresentar conduta a ser seguida. Terá,
então, natureza de sobredireito, também chamado de “norma indireta”,
“indicativa”, ou “superordenamento”. As normas diretas são raras no DIPr.
Sua
estrutura divide-se em duas partes: a) objeto de conexão, que se refere à matéria,
ao assunto em si. Ex: personalidade, capacidade, direitos de família etc.; e b)
elemento de conexão, que se refere aos critérios a serem adotados. Ex:
domicílio, nacionalidade, lex fori, autonomia da vontade etc.
Vejamos,
agora, os elementos de conexão previstos no Direito brasileiro, especificamente
na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, arts. 7º–19.
1-
Estatuto pessoal: o
domicílio (lex domicilii). É o principal elemento de conexão adotado no Brasil. Ex:
Fim da personalidade, direito ao nome, capacidade jurídica, direitos de família
etc. Ver art. 7º, da LINDB.
2-
Estatuto pessoal: a
nacionalidade (lex patriae). Já foi
critério predominante. Ex: Ver art. 18 e 7º, §2º, da LINDB.
3-
Lex
fori: Refere-se à lei do lugar do foro onde está acontecendo o
conflito normativo. Ex: É o elemento de conexão mais comum do DIPr.
4-
Lex rei sitae: Incide a norma do
lugar onde a coisa está situada (territorialidade). Aplicável somente aos bens
corpóreos. Direitos reais. Regime de bens. Ex: LINDB, arts.
12, §1º, 8º, 10, §2º c/c CF, art. 5º, XXXI. Possui exceções importantes: LINDB, arts. 7º, caput, 8º, §§1º e 2º
e art. 10, caput.
5-
Lex loci delicti comissi: Lei do
local onde o ato ilícito foi cometido. Obrigações extracontratuais que geram
responsabilidade civil. Ex: Poluição ambiental, concorrência desleal etc.
6-
Lex loci executionis / lex loci
solutionis: Lei do lugar de execução de um contrato ou de uma obrigação.
Ex: Mão de obra contratada no Brasil para trabalhar no exterior. Ver LINDB,
art. 12.
7-
Locus regit actum / lex contractus:
Norma do lugar de constituição da obrigação. Ex: Aplicável aos contratos e
obrigações (LINDB, art. 9º, caput). Ver CPC-2015, art. 784, §3º: “O título
estrangeiro só terá eficácia executiva quando satisfeitos os requisitos de
formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e quando o Brasil for
indicado como o lugar de cumprimento da obrigação”.
8-
Autonomia da vontade (lex voluntatis):
Possibilidade de as próprias partes escolherem o Direito nacional aplicável a
uma relação privada com conexão internacional. Elemento de conexão muito
antigo. Ex: Aplicável majoritariamente aos contratos internacionais (Ver Lei nº
9.307/96 - Arbitragem). Na esfera cível possui limitações quanto ao foro, à ordem
pública e aos compromissos internacionais brasileiros. O CPC2015 alargou a
utilização deste elemento de conexão. Continuaremos na próxima oportunidade.
i)
Outros elementos: A doutrina indica
ainda outros elementos de conexão, como o lex
loci actus, pelo qual se aplica a
norma do local da realização do ato jurídico; o lex loci celebrationis, que determina a incidência da norma do
local de celebração do matrimônio e; o lex
damni, pelo qual a norma aplicável é aquela do lugar em que se manifestaram
as consequências de um ato ilícito. Há, por fim, alguns elementos de conexão
que já não são tão empregados, como a raça, a religião e a vizinhança.
j)
Breve nota sobre a constituição de
pessoa jurídica: O art. 11, caput da LINDB diz que “As organizações destinadas
a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei
do Estado em que se constituírem”, adotando, portanto, o elemento de conexão locus regit actum. Também ficam sujeitas
à lei brasileira as filiais, agências ou estabelecimentos vinculados a essas
organizações, as quais só podem ser criadas ou instaladas quando seus atos
constitutivos forem aprovados pelo governo brasileiro – LINDB, art. 11,§1º.
1.
Institutos básicos do DIPr:
a)
Qualificação: Conhecida também como “qualificação prévia”, é “a
operação pela qual o juiz, antes de decidir, verifica, mediante a prova feita,
a qual instituição jurídica correspondem os fatos realmente provados” (Osíris
Rocha). Volta a questões jurídicas, verificação de conceitos de institutos
desconhecidos. Classifica-se em qualificação de 1º grau (baseia-se na lex fori, adotada pelo Brasil) e
qualificação de 2º grau (baseia-se na lei de fora).
b)
Ordem pública:
Aspectos fundamentais de um Estado e seu ordenamento, abrangendo a soberania
nacional e os bons costumes. Norma estrangeira incompatível é inaplicável. Ver
LINDB, art. 17: “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer
declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a
soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.”.
c)
Reenvio: Também
conhecido como retorno, remissão, devolução, opção, renvoi (francês) ou remission
(inglês). É o instituto pelo qual o DIPr de um Estado remete às normas
jurídicas de outro Estado e as regras do DIPr deste indicam as de um terceiro
ou o ordenamento do primeiro. Existem reenvios de 1º, 2º, 3º, 4º graus etc. O
Brasil não adota o reenvio (LINDB, art. 16), salvo uma exceção (LINDB, art. 10,
§1º c/c CF, art. 5º, XXXI): sucessão de bens (lei mais favorável).
d)
Direito
adquirido: A pessoa faz jus ao preencher os requisitos para a sua aquisição e
que, uma vez obtido, não pode mais ser retirado. Tal direito acompanha a pessoa
em outro Estado, salvo se ofender a ordem pública. Ex: Poligamia (Brasil não
admite).
Continuaremos na
próxima oportunidade.
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