quinta-feira, 9 de julho de 2020

DIREITO & CIDADANIA - As evoluções e involuções da liberdade religiosa no Brasil – II


As evoluções e involuções da liberdade religiosa no Brasil – II


Por Dr Besaliel Rodrigues

        Desde a 1ª Constituição (Imperial) de 1824, o Estado brasileiro tenta se imiscuir na atuação eclesiástica nacional. Dois cases – “O Cisma de Feijó” (1827-1838) e “A Questão Religiosa” (1872-1875) – bem exemplificam esta disputa de poder entre as duas corporações jurídicas poderosas.
        No preâmbulo e no artigo 5º da referida Constituição, o Estado brasileiro optou em continuar sendo um Estado Religioso, como desde  1500. Vejamos o texto constitucional na língua portuguesa daquela época:
        Preâmbulo: “Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deos, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os Nossos Subditos... (...) Em Nome da Santissima Trindade”. (...) “Titulo 1º - Do Imperio do Brazil, seu Territorio, Governo, Dynastia, e Religião. Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.”.
        O Estado fala em “Graça de Deus”,  na “Santíssima Trindade” e determina a continuação da religião oficial. Os aparentes beneficios para a ICAR – Igreja Católica, com o tempo se revelaram numa forma de “cabresto de ouro”, como dissemos na oportunidade anterior.
        Mas, o Estado não parou por aí. Continuou regulando a liberdade religiosa em outros dispositivos constitucionais, a saber:
        Nacionalidade. Requisitos para aquisição: “Art. 6. São Cidadãos Brazileiros. V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalisação.”.
        Processo Legislativo. Invocação à graça de Deus: “Art. 69. A formula da Promulgação da Lei será concebida nos seguintes termos - Dom (N.) por Graça de Deos, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber ...”.
        Alistabilidade eleitoral. Exclusão dos clérigos e dos não-católicos: “Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes. IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral. Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem ser Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional, ou local.
        Condição de elegibilidade. Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se: III. Os que não professarem a Religião do Estado.”.
        Do padroado, do regalismo e do beneplácito. “Art. 102. O Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado. São suas principaes atribuições: II. Nomear Bispos, e prover os Beneficios Ecclesiasticos. XIV. Conceder, ou negar o Beneplacito aos Decretos dos Concilios, e Letras Apostolicas, e quaesquer outras Constituições Ecclesiasticas que se não oppozerem á Constituição; e precedendo approvação da Assembléa, se contiverem disposição geral.”.
        Do juramento imperial: “Art. 103. 0 Imperador antes do ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Imperio...”.
        Do juramento do herdeiro do trono. “Art. 106. O Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, observar a Constituição ...
        Do juramento do regente. Art. 127. Tanto o Regente, como a Regencia prestará o Juramento mencionado no Art. 103, accrescentando a clausula de fidelidade na Imperador, e de lhe entregar o Governo, logo que elle chegue á maioridade, ou cessar o seu impedimento.
        Do juramento dos Conselheiros de Estasdo. “Art. 141. Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse, prestarão juramento nas mãos do Imperador de - manter a Religião Catholica Apostolica Romana; observar a Constituição... 
        Da proteção relativa à liberdade religiosa. “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. V. Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica.
        Esta lista de dispositivos revela que a 1ª Constituição brasileira teve total influência do catolicismo. Entretanto, tornou-se a religião católica “refém” do Estado. O Império reconhecia os valores religiosos, mas os regulamentava, mitigando a liberdade religiosa.
        Esta Constituição de 1824 trouxe o primeiro regramento constitucional oficial da liberdade religiosa (relativa) no Brasil. A partir dela iremos ter altos e baixos. Continuaremos na próxima oportunidade.

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