As
evoluções e involuções da liberdade religiosa no Brasil – II
Por Dr Besaliel Rodrigues
Desde
a 1ª Constituição (Imperial) de 1824, o Estado brasileiro tenta se imiscuir na
atuação eclesiástica nacional. Dois cases – “O Cisma de Feijó” (1827-1838) e “A
Questão Religiosa” (1872-1875) – bem exemplificam esta disputa de poder entre
as duas corporações jurídicas poderosas.
No
preâmbulo e no artigo 5º da referida Constituição, o Estado brasileiro optou em
continuar sendo um Estado Religioso, como desde 1500. Vejamos o texto constitucional na língua
portuguesa daquela época:
Preâmbulo: “Dom Pedro Primeiro, por Graça
de Deos, e Unanime Acclamação dos Povos,
Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos
os Nossos Subditos... (...) Em Nome da Santissima Trindade”. (...) “Titulo 1º - Do Imperio do Brazil, seu Territorio, Governo,
Dynastia, e Religião. Art. 5. A Religião
Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as
outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em
casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.”.
O
Estado fala em “Graça de Deus”, na
“Santíssima Trindade” e determina a continuação da religião oficial. Os aparentes
beneficios para a ICAR – Igreja Católica, com o tempo se revelaram numa forma
de “cabresto de ouro”, como dissemos na oportunidade anterior.
Mas, o Estado não parou por aí. Continuou
regulando a liberdade religiosa em outros dispositivos constitucionais, a
saber:
Nacionalidade.
Requisitos para aquisição: “Art. 6. São Cidadãos Brazileiros. V.
Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei
determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalisação.”.
Processo
Legislativo. Invocação à graça de Deus: “Art. 69. A formula
da Promulgação da Lei será concebida nos seguintes termos - Dom (N.) por Graça
de Deos, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor
Perpetuo do Brazil: Fazemos saber ...”.
Alistabilidade
eleitoral. Exclusão dos clérigos e dos não-católicos: “Art.
92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes. IV. Os Religiosos, e
quaesquer, que vivam em Communidade claustral. Art. 93. Os
que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem ser
Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional, ou
local.
Condição de elegibilidade. Art. 95. Todos
os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se: III.
Os que não professarem a Religião do Estado.”.
Do padroado, do regalismo e do
beneplácito. “Art. 102. O
Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de
Estado. São suas principaes atribuições: II. Nomear Bispos, e prover os
Beneficios Ecclesiasticos. XIV. Conceder, ou
negar o Beneplacito aos Decretos dos Concilios, e Letras Apostolicas, e
quaesquer outras Constituições Ecclesiasticas que se não oppozerem á
Constituição; e precedendo approvação da Assembléa, se contiverem disposição
geral.”.
Do
juramento imperial: “Art. 103. 0 Imperador antes do ser
acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras,
o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a
integridade, e indivisibilidade do Imperio...”.
Do
juramento do herdeiro do trono. “Art.
106. O Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará
nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte
Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, observar a
Constituição ...
Do
juramento do regente. “Art.
127. Tanto o Regente, como a Regencia prestará o Juramento mencionado no Art.
103, accrescentando a clausula de fidelidade na Imperador, e de lhe entregar o
Governo, logo que elle chegue á maioridade, ou cessar o seu impedimento.
Do
juramento dos Conselheiros de Estasdo. “Art. 141. Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse,
prestarão juramento nas mãos do Imperador de - manter a Religião Catholica
Apostolica Romana; observar a Constituição...
Da proteção relativa à liberdade
religiosa. “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos
Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a
segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do
Imperio, pela maneira seguinte. V. Ninguem póde ser perseguido por motivo de
Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica.
Esta
lista de dispositivos revela que a 1ª Constituição brasileira teve total
influência do catolicismo. Entretanto, tornou-se a religião católica “refém” do
Estado. O Império reconhecia os valores religiosos, mas os regulamentava,
mitigando a liberdade religiosa.
Esta
Constituição de 1824 trouxe o primeiro regramento constitucional oficial da
liberdade religiosa (relativa) no Brasil. A partir dela iremos ter altos e
baixos. Continuaremos na próxima oportunidade.
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