sexta-feira, 25 de junho de 2021

Artigo da semana do – Direito & Cidadania – A democracia de Pilatos e a crise de representatividade no Brasil – I

 Artigo da semana do    – Direito & Cidadania –  

A democracia de Pilatos e a crise de representatividade no Brasil – I




Dr. Besaliel Rodrigues

É inegável e incontroverso que a representatividade popular no Brasil está agastada e desgastada. Desde o início da última redemocratização do país (1987-88) o povo tem assistido uma série de horrores políticos, mormente no campo da corrupção, da improbidade e da gestão pública temerária e incompetente, que gerou, v. g., dois processos de impeachment de presidentes da República, envergonhando a Nação perante a comunidade internacional, outorgando a pecha do triste título do país que sofreu o maior caso de corrupção pública da história da Humanidade.

  Sabe-se que os vícios da Administração Pública brasileira datam do descobrimento, em 1500, onde encontra-se o primeiro registro de corrupção no país, na Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei português, quando o escrivão solicitou a soltura de seu genro, que estava preso. Dali em diante o “germe” do tráfico de influência, da mistura do interesse público com o privado etc., tornou-se enfermidade crônica e metástica no Estado constitucional democrático de direito nacional.

  Recuando um pouco da data do descobrimento, por ser o Brasil um país cristão, no Evangelho de Mateus, capítulo 27, versículos 11 a 26, pode-se dizer que a crise da representatividade popular não é um fenômeno exclusivo do Brasil, mas da natureza humana.

  Diz Mateus 27.11-26: “11. E foi Jesus apresentado ao presidente, e o presidente o interrogou, dizendo: És tu o Rei dos Judeus? E disse-lhe Jesus: Tu o dizes. 12. E, sendo acusado pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. 13. Disse-lhe então Pilatos: Não ouves quanto testificam contra ti? 14. E nem uma palavra lhe respondeu, de sorte que o presidente estava muito maravilhado. 15. Ora, por ocasião da festa, costumava o presidente soltar um preso, escolhendo o povo aquele que quisesse. 16. E tinham então um preso bem conhecido, chamado Barrabás. 17. Portanto, estando eles reunidos, disse-lhes Pilatos: Qual quereis que vos solte? Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo? 18. Porque sabia que por inveja o haviam entregado. 19. E, estando ele assentado no tribunal, sua mulher mandou-lhe dizer: Não entres na questão desse justo, porque num sonho muito sofri por causa dele. 20. Mas os príncipes dos sacerdotes e os anciãos persuadiram à multidão que pedisse Barrabás e matasse Jesus. 21. E, respondendo o presidente, disse-lhes: Qual desses dois quereis vós que eu solte? E eles disseram: Barrabás. 22. Disse-lhes Pilatos: Que farei então de Jesus, chamado Cristo? Disseram-lhe todos: Seja crucificado. 23. O presidente, porém, disse: Mas que mal fez ele? E eles mais clamavam, dizendo: Seja crucificado. 24. Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso. 25. E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos. 26. Então soltou-lhes Barrabás, e, tendo mandado açoitar a Jesus, entregou-o para ser crucificado.”.

  Esta passagem neotestamentária nos faz lembrar daquela Carta enviada em 1924 por Monteiro Lobato ao então Presidente da República do Brasil Artur Bernardes. Naquela missiva, datada de 09 de agosto daquele ano, o famoso escritor brasileiro externou sua perplexidade diante do fato da então vigente universalidade do voto, mormente dos “pobres e menos instruídos” (LOBATO, Monteiro. Carta ao Excelentíssimo Senhor Presidente Artur Bernardes. In: Ferro e o Voto Secreto. São Paulo: Globo, 2010, pgs. 84 ss.).

  A referida Carta representa, na literatura brasileira, um dos maiores “obeliscos” contrários à democracia direta, ao voto direto e irrestrito que, na concepção de Lobato, gera “completo divórcio entre a política e a opinião pública” (Op. cit.).

  Para parte da intelectualidade dos dias atuais, as concepções de Monteiro Lobato, constantes daquela missiva, hoje soam como politicamente incorretas, discriminatórias, preconceituosas e superficiais.

  Acrescente-se, ainda, que para Monteiro Lobato, a grande massa do eleitorado de sua época votava em troca de bugigangas ou de dinheiro em espécie e não por dever cívico, gerando, por consequência, a eleição de “políticos profissionais”, empreendedores eleitorais oportunistas (Cf, PÁDUA, Thiago Aguiar de. A balzaquiana constituição. Brasília-DF: Trampolim, 2018, pgs. 235 ss.). A venda do voto remete também à época da chegada dos colonizadores, quando se aproveitaram da mesma vulnerabilidade dos nativos “pindoramenses” e trocavam as riquezas daqui com as bugigangas de lá. Assim, “mutatis mutandis”, a história se repete, se perpetua. 

  A solução apresentada por Lobato, naquele momento histórico, foi a implantação do voto secreto e não obrigatório, segundo ele, com o intuito de combater o voto por cabresto e o voto “vendido” em troca de alguma coisa ou favores.  

  Mas, será que tal alvitre lobatiano seria a solução? Continuação na próxima oportunidade.

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