Crônica da Semana: O apagão
Por Rodrigo Alves de Carvalho
E
de repente, tudo escureceu. Ao sair para fora de suas casas, os moleques
estavam nas calçadas perto de seus pais, que conversavam curiosos para saberem
o porquê de a energia elétrica ter acabado.
Aos
poucos, as crianças começam a escapar para a rua e se juntam em frente minha
casa. Brincar naquele escuro estava fora de cogitação, o mais legal naquelas
ocasiões era tentarmos assustar uns aos outros.
—
Quando está escuro assim, costuma aparecer o Capeta da Mata!
Muitos
já começavam a arregalar os olhos, com uma pontada de medo misturado a um
ceticismo incerto.
—
Para de falar essas coisas, senão os moleques não vão dormir à noite!
Os
mais velhos tentavam mostrar coragem, e dizer que os mais novos iriam ficar com
medo era uma maneira de cortar aquele papo, porque também estavam ressabiados
com os causos de assombração.
—
Esse negócio de fantasmas, espíritos e almas penadas é tudo balela. Mas a gente
não pode esquecer que o Joãozão Risca-Faca fugiu esses dias da cadeia e deve
estar escondido em algum mato por aí.
Agora
danou-se. Medo de fantasmas eu não tinha. Agora, medo de gente viva era outra
história, ainda mais se tratando do Joãozão Risca-Faca, que tinha matado um
homem num boteco da periferia por causa de truco.
—
Ele cortou o pescoço de um sapo que ficava dando sinal para seu adversário na
mesa. Quando o sujeito olhou seu zap e deu sinal para o outro, Joãozão tirou a
peixeira da cintura e passou na jugular do zoiudo!
—
Credo! Vamos mudar de assunto. - Diziam duas meninas que entraram na conversa
dos moleques por curiosidade, e também para sentirem medo.
Era
legal sentir medo. Quanto mais medo, mais legal ficava.
Mas
quase alguns dos meninos fizeram xixi nas bermudas, quando um engraçadinho
soltou uma Bombinha Mil ali perto.
BUMMMM!
Nessa
hora, cada um correu para sua casa e não saíram mais.
Observando
o tremular da chama da vela, eu fazia animais com as mãos na sombra da
parede.
—
Melhor a gente ir dormir, porque essa força não vai chegar tão já!
Minha
mãe carregava a vela para meu quarto, e quando já estava deitado olhando a vela
ir diminuindo de tamanho, enquanto o sono estava bem longe de chegar, ficava
lembrando nos causos de almas penadas e no Joãozão Risca-Faca. Nessa hora o corpo
tremia e as sombras na parede pareciam estarem vivas de verdade. Cobria a
cabeça com o cobertor, mas o medo era maior. Teria que correr para o quarto da
mãe.
Mas,
buscava força e coragem para não demonstrar minha covardia, até que
repentinamente, as luzes se ascendem, e um coro de gritos na cidade inteira
anunciava o fim do apagão.
Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.
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